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Aqui contém cenas explícitas de minha nudez ao avesso, para melhor visualização feche seus olhos. (Mary Backes)

terça-feira, 26 de junho de 2012

Temos mantido em segredo nossa morte para mantermos nossa vida possível (...) Mas eu escapei disso, Lóri...


E então você não quis mais nada disso. E parou com a possibilidade de dor, o que nunca se faz impunemente. Apenas parou e nada encontrou além disso. Eu não digo que eu tenha muito, mas tenho ainda a procura intensa e uma esperança violenta. Não esta sua voz baixa e doce. E eu não choro, se for preciso um dia eu grito, Lóri. Estou em plena luta e muito mais perto do que se chama de pobre vitória humana do que você, mas é vitória. Eu já poderia ter você com o meu corpo e minha alma. Esperarei nem que sejam anos que você também tenha  corpo-alma para amar. Nós ainda somos moços, podemos perder algum tempo sem perder a vida inteira.Mas olhe para todos a seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia.Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não entendemos porque não queremos passar por tolos.Temos amontoado coisas e segurança por não termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada.Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora, pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas.Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos.Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo.Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda.Temos procurado nos salvar, mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes.Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios.Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa.Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada.Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos o que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe.Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses.Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo" e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos.Temos chamado de fraqueza a nossa candura.Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo.E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia. Mas eu escapei disso, Lóri, e esperarei com a ferocidade com que se escapa da peste, Lóri, e esperarei até você também estar mais pronta.


(Clarice Lispector - Uma aprendizagem ou o Livro dos Prazeres)