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Aqui contém cenas explícitas de minha nudez ao avesso, para melhor visualização feche seus olhos. (Mary Backes)

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Avisos às borboletas


Rompi minha crisálida. Agora sou uma borboleta feliz e ansiosa que fia com urgência sua historia. Sei que minha existência é breve e preciso projetar para o mundo o tempo em que hibernei. No meu ciclo de larva eu já recolhia toda – a metamorfose das cores, o veneno necessário, a experiência do mel. Involuntariamente eu me construía para o centro, sugava com as patas a seiva das plantas, me preparava para o dia de voar. Mal podia supor que as minhas asas seriam essa tatuagem de todas as formas, sobreposições de escamas cintilantes igual a um telhado suspenso no ar. Asas, minha enseada e minha perdição. Acho mesmo que as antenas aguçadíssimas e os olhos sensíveis ao som vieram dessa minha vontade de ir sempre além. E arriscado voar e é por isso que eu vôo. Sou, atraída por novas montanhas e desconhecidas planícies.
Não posso esperar porque o tempo que me pertence é uma única estação. Vôo para estar na aventura do vôo e vôo também pelas borboletas domesticadas que perderam a ousadia de voar. São asas que se tornaram apenas ombros, “os ombros suportam o mundo”, como o poeta escreveu. Vôo sim. Já tenho até na asa esquerda algumas violências de pássaros que não são nenhuma ilusão de ótica. É ferida mesmo, marcas do bico de um predador que me avistou nas asas da descoberta e  quis me prender. Me feriu, mas em troca recebeu o gosto do meu veneno. Não nasci para perpetuar apenas a doçura do néctar, a seiva que trago no corpo é também minha senha e minha alma. Simples, a minha natureza é feita de círculos, de quebra de planos, de espirais. Não tenho nada a ver com o vôo em linha reta. Sou responsável por mim e pela minha aventura de outras borboletas. Minha vida é transgredir. Afinal de contas voar é com os pássaros, e inverter o rumo das coisas, migrar sem descanso no horizonte da procura, é com as borboletas. Por isso a minha historia, aconteça o que acontecer, só deve valer para quem sabe que toda a verdade é sempre um pedaço de uma outra e que o vôo mais urgente é revolucionar jardins. 
Jorge Miguel Marinho

Um comentário:

Anônimo disse...

Então, voe..que daqui alcanço teu perfume.

Beijos!