Que seja dispensado das cartas, do que levas na bolsa, de teus filmes prediletos, de teus diários, de teus pentes, de tuas jóias em estojo de diploma, de teu escapulário da primeira comunhão, de teus blusões em fila dupla, de teus varais com as roupas ao avesso, de tuas superstições de consultar as portas de noite, de tua fobia em atender telefone, de tua ânsia em me contar as novidades, de tua loucura em me agüentar, de tua sabedoria em me acalmar, de tua facilidade em se dividir com as amigas, de tua coleção de brincos quebrados, dos álbuns de fotografias em ordem cronológica, dos clipes emendados uns nos outros no
computador, dos bilhetes amarelos na geladeira, de tua compulsão em comprar presentes, de tua mania de consultar o horóscopo, dos teus quindins, de tua mania em dormir enroscada, de salgar a comida um pouco mais do que se deveria.
Não me mande mais nada. Não me dê lembranças, músicas, poemas, sapatos, isqueiros, não quero juntar esmolas de tuas coisas, não quero fazer um santuário de tuas coisas, não quero encaixotar tuas coisas, não
quero peregrinar as mãos em tuas coisas como se fosse tua mão esperando na mesa. Minha mão ossuda depende de tua pele para respirar folgas.
Tiras proveito da consciência que vou formando de ti enquanto me desinformo do mundo. Não desejo descobrir o que tocaste senão amarei muito mais do que se tivesse tocado. Não me fales "gosto daquilo" que já estarei gostando junto. Evite comentários.
Não me digas "vamos naquele restaurante" que será mais um lugar para te esperar. Não inventes deitar na grama no domingo que o sol grudará nos dentes.
Não narres aos ouvidos da cama o que podemos sentir.
Não ponhas trilha no celular, não troques as almofadas, não escolhas as toalhas e os lençóis, controla essa mania de se espalhar por tudo, de botar teu cheiro por dentro de minha boca.
Não abras mais o leite sem romper o lacre, não deixes a gaveta entreaberta, a torneira entreaberta, meu corpo entreaberto. Não reclames do que não fiz, que farei de novo para chamar tua atenção.
Não arrumes minha gravata, que me acostumarei a pedir conselhos. Não arrumes minha gola que o vento é mesmo enviesado. Quero te conhecer menos para não sofrer depois tanto tua perda.
Mas deveria ter dito isso antes.
Fabrício Carpinejar
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