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Aqui contém cenas explícitas de minha nudez ao avesso, para melhor visualização feche seus olhos. (Mary Backes)

quarta-feira, 6 de abril de 2011

O primeiro indício de um nós


Se dois homens ou duas mulheres têm de partilhar por algum tempo o mesmo espaço (em viagem, numa carruagem-cama ou numa pensão superlotada), não é raro nascerem nessas situações amizades muito singulares. Cada um tem a sua maneira especial de lavar os dentes, de se curvar para descalçar os sapatos ou de encolher as pernas para dormir. A roupa interior, e o resto do vestuário, embora semelhantes, revelam, no pormenor, inúmeras pequenas diferenças a um olhar atento. A princípio — provavelmente devido ao individualismo excessivo do modo de vida atual — existe qualquer coisa como uma resistência semelhante a uma leve repugnância e que rejeita uma aproximação maior, uma ofensa contra a própria personalidade, até ao momento em que essa resistência é superada para dar lugar a uma comunidade que revela uma estranha origem, como uma cicatriz. Muitas pessoas mostram-se, depois de uma tal transformação, mais alegres do que normalmente são; a maior parte mais inofensivas; uma boa parte delas mais faladoras; e quase todas mais amáveis. A sua personalidade mudou, quase se poderia dizer que foi trocada, subcutaneamente, por outra, menos marcada: no lugar do eu surge o primeiro indício de um nós, claramente sentido como um mal-estar e uma diminuição, mas, no fundo, irresistível.

(Robert Musil)

Um comentário:

Mar disse...

Oi, Mary, boa tarde!!
Todo ser tem seu espaço individual. Nesse espaço, raramente permite qualquer outra presença. Em outros espaços, ele aceita, sim, a interferência. Às vezes até a propicia, como no caso do blog. Mas, no espaço individual, em maior ou menor escala, todos reagimos com no mínimo inquietação. Quando a situação é necessária, acabamos cedendo, muito a contragosto. É do que fala esse texto do Musil. E ele fala, é claro, de forma genérica. É óbvio que a mudança e a aceitação, que ele diz ocorrer “não raro” é rara, e só ocorre quando em algum momento há a empatia. Caso contrário, o que ele afirma não ocorrerá nem em um milhão de anos. A individualidade do ser é seu território mais disputado, e ele só o cederá por amor, por amizade, por respeito ou por empatia. Nunca por nada mais, nem por necessidade ou obrigação. Se pensarmos em exemplos práticos, ficará clara a situação.
Um beijo carinhoso, Ma!
Lello